sexta-feira, 16 de agosto de 2013

As três mosqueteiras

Sofia correu até o telefone quando soou o toque característico da chegada de mensagens em seu celular. Aguardava ansiosa pela confirmação da chegada da filha mais velha, Giovanna. Ela tinha 28 anos quando ganhou seu primeiro bebê; 2 anos depois Luiza chegou.

Formado há 24 anos, o trio ficou conhecido nos ambientes por onde passou por ser sorridente e um tanto diferentes entre si. A mãe gostava de chamá-las de "As três mosqueteiras".

Naquela tarde de sábado, diante da confirmação da presença de Giovanna, Sofia e a caçula se prepararam para a visita, que prometia momentos de intimidade. Anna - como era chamada pela família - passou 21, dos seus 26 anos, dividindo o quarto (e tudo mais) com Luiza. Brigavam como mulheres e se amavam como irmãs; apesar de todas as diferenças óbvias e as mais discretas, eram muito próximas, uma relação pouco compreendida por aqueles com quem conviviam.

Há seis meses a irmã mais velha mudou-se para São Paulo e aquela seria a primeira vez que a veriam trajando o seu tão sonhado uniforme.

À noite, Sofia e Luiza estavam prontas duas horas antes do horário previsto para o pouso. Preparadas para esperar, estacionaram em frente ao desembarque e ali ficaram, ouvindo música e discutindo as dificuldades enfrentadas por Lu na faculdade de Engenharia.

Sofia sentiu, então, uma forte dor de barriga. Era uma sensação estranha, como se uma bola se formasse em seu estômago; estava enjoada e lhe faltava o ar. Enquanto bebia água, na tentativa de sentir-se melhor, pensava sobre aquela dor e recordava-se das poucas vezes em que a havia experimentado.
Lembrou de uma ligação, seis anos atrás, em que Giovanna chorava ao telefone, contando à mãe que ela e a irmã haviam sofrido um acidente e aguardavam a presença da ambulância.

***

Do outro lado da mensagem, Anna fechava a mala rumo à casa de sua mãe. Tinha planos para o jantar e já havia selecionado o filme da noite. Aquele foi um dos seus voos mais contentes, felizmente para os passageiros, que foram recebidos com cordialidade acima do comum, sorriso no rosto e ansiedade no coração.

Cabine pronta para o pouso. Agora faltavam poucos minutos.

Apesar de ainda muito inexperiente, não foi necessário muito para que Giovanna cruzasse seu olhar com a colega sentada ao lado. Em silêncio, as duas confidenciavam que algo estava fora do comum no pouso. 

Apesar de intensamente treinada para agir em uma emergência, quem estava ali era Anna e não a comissária Giovanna. Nos minúsculos segundos em que o avião corria a pista sem nenhum sinal de redução de velocidade, Anna não pensava nas ações imediatas que deveria tomar.

"Logo hoje, em frente a minha mãe." Anna pensava na mãe e na irmã que provavelmente estavam assistindo ao pouso, pensava no recebimento da notícia que chegaria da forma mais dramática, sem filtro algum; ali, na hora.
Naquele momento, não era a sua vida que importava, era a sua morte diante das pessoas que mais a amavam.

***

Na porta do desembarque Sofia, Anna e Lu se abraçaram. Elas ainda não sabiam o que acontecera minutos antes. E aquele não era o momento para falar.

Em casa, com a mala desfeita e o antigo pijama no corpo, ela contou sobre o pouso atípico e sobre suas preocupações, mas antes mesmo que terminasse de explicar os detalhes a mãe disse: eu já sei, senti com você.

Horas mais tarde, enquanto comiam a sobremesa, Anna olhou para mãe e a irmã, e entendeu - ali, naquela hora - que esta poderia ser a última noite. Qualquer noite (todas as noites) poderiam ser a última.

domingo, 11 de agosto de 2013

This is not a love story

 Importante deixar claro desde esse primeiro momento: esta não é uma história de amor. Acho necessário começar qualquer história - inclusive aquelas com final previsto - falando a verdade.
Sendo assim, sem falsas expectativas; qualquer página aqui escrita não será aproveitada no roteiro de alguma comédia romântica.

As palavras deixavam a boca de Mallu de forma segura. Sem titubear ela apresentava a verdade para aquele completo estranho sentado do outro lado da mesa de café.

Há pouco mais de três semanas, eles se conheceram na fila da lotérica. Ela pagando contas, ele apostando na sorte.
Desde aquela tarde chuvosa os dois se encontraram 7 vezes.

Mallu é solteira há 29 anos (isto é, desde sempre), enquanto ele, o cara, acaba de sair de um relacionamento. Nenhum dos dois quer saber de love stories, porém, apenas Mallu faz questão de deixar bastante claro.
Ela só esqueceu de passar esta informação à vida.

Nestas três semanas, ela e o cara têm se falado constantemente.
O café da manhã costuma ser o tema da mensagem número 1 do dia; isso quando o sonho da noite anterior não chega primeiro. Ao longo das 24 horas seguintes, discutem as notícias do Bom Dia Brasil até o melhor restaurante para jantarem na semana que vem.

Mallu conta sobre sua tese de mestrado durante horas enquanto tomam vinho. Ele a escuta, oferece diferentes abordagens sobre o tema e apresenta a nova música do Radiohead.

Quando a taça de vinho deixa a mesa da sala e encontra um novo espaço na cabeceira da cama, o tema da conversa já não é mais economia mundial. O vestido de Mallu, que tem botões em local estratégico, ganha toda a atenção. A música, em alto som, mascara o que as paredes testemunham.

Na manhã seguinte, ela acorda apressada, veste o vestido e ignora os botões celebrados na noite anterior.
A pressa da sua partida será o tema da mensagem seguinte. "Estava atrasada para um compromisso", justifica sem a menor vontade de explicar qualquer coisa.

E o ballet da noite segue por semanas e semanas. Enquanto ele adormece diante do prazer de horas em boa companhia, ela corre para fugir do café da manhã mais uma vez.

"Esta não é uma história de amor", diz para si mesma enquanto toma banho na casa dele.

Mallu viveu a história - que não era de amor - durante um ano e quatro meses.
Saindo correndo em mais uma manhã, ela abriu o armário do banheiro para pegar um pouco de pasta de dentes e deu de cara com uma escova de cabelo feminina e uma segunda escova de dentes no copo.

Ambos eram dela, apesar de aquela não ser uma história de amor. Ou talvez ela não conheça esse tipo de literatura.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Deixa para o acaso

Eu, assim como a maioria dos mortais, sigo uma rotina bastante corrida. De manhã faculdade, à tarde estágio e durante a noite, academia. A cada troca de turno percorro muitos caminhos e cruzo com pessoas a todo instante. Mas naquela noite não foi qualquer pessoa.

Depois de uma mudança repentina de planos, pulei o treino da academia e fui direto para uma rodada de cachaças com minhas amigas. Fomos a um bar, em Moema, que serve todo tipo de cachaça que você pode imaginar. O que não sabíamos era a programação da noite.
Corinthians x São Paulo foi a trilha sonora, além de muitos gritos e xingamentos.

Em meio aquele mar de testosterona, cinco mulheres que só queriam encher a cara de cachaça e dar risadas. Os caras estavam com um olho na tela e outro na nossa mesa. Parecia aquelas cenas de filme americano, quando um grupo de desavisadas entra em um bar de motoqueiros.
A diferença é que não era exatamente soco que eles queriam nos dar...

Bom, mas entre tantos olhares, um em especial dominou minha atenção.
O cara tinha olhos que leem a alma, parecia que a cada troca de olhares ele conhecia exatamente todos os meus pensamentos pecaminosos. Ele era lindo, tinha cabelo comprido, meio bagunçado à lá Johnny Depp. Um sorriso lindo, um corpo incrível na medida certa.

Eram goles daqui, gols de lá e passamos a noite namorando à distância. Eu sorria para ele diante de qualquer besteira que uma das meninas falasse. Ele vibrava com o jogo e com cada mexida no cabelo que eu dava. Parecia que conversávamos sem emitir palavras, dançávamos sem sair de nossas cadeiras. Magia...

Passados 90 minutos de flerte, o São Paulo ganhou de 2 a 0 e a nossa partida terminou em empate sem gols. Nenhum dos dois partiu para o ataque - apesar de eu querer desesperadamente!

Com o fim do jogo ele seguiu para o caixa enquanto eu o seguia com os olhos na esperança de receber algum convite, mesmo que silencioso.
Mas não.
Ele pagou a conta e partiu! E partida ficou a minha cara!
Não acreditei, aliás, ainda hoje não posso crer.

Preciso confessar uma coisa: voltei lá todas as noites de Brasileirão durante dois meses! E para desespero deste coração apaixonado nunca o encontrei.
Decidi deixar para o acaso e abandonar minhas visitas à cachaçaria (não tinha mais grana nem fígado pra isso).

No dia seguinte o destino - ou o acaso, vai saber - me coloca no elevador do prédio em um horário atípico e ali, naquele metro quadrado, está uma mulher linda, com seu bebê lindo e seu marido lindo.
O gato do Corinthians x São Paulo.
Malditas mulheres lindas com seus bebês lindos.

Daquele dia em diante, peguei o mesmo elevador todos os dias.
Afinal de contas, um dia a criança teria que estar gripadinha em casa com a mamãe enquanto o papai sai sozinho!

Simples assim, sem escrúpulos mesmo.

sábado, 15 de junho de 2013

(re)inventar-se

Aninha era Aninha há 32 anos.
Trinta e dois longos anos convivendo com ela mesma. Era tempo demais na companhia de uma mesma pessoa, que a cada dia parecia mais previsível.
Todo ano ela comemorava seu aniversário no mesmo dia, toda manhã dava bom dia para a mesma família, sempre comia o mesmo doce preferido, assistia aos mesmos filmes, tocava as mesmas músicas.

Aninha era sempre a Aninha.

Ela até era uma mulher peculiar, bem sucedida, inclusive.
Mas desde seus 16 anos - isto significa metade da sua vida vivida - Ana Júlia sabia qual seria sua profissão, sabia que casaria com um homem honesto, que teria dois filhos e jamais gostaria de esportes.

Aninha estava farta de ser Aninha. Nem mesmo Ana Júlia servia mais.

O trajeto até o colégio foi substituído pelo da faculdade e, quatro anos depois, pelo do trabalho. Mesmo quando se esforçava para se atrasar, Aninha era pontual.
Quando tentava arduamente ter uma opinião contrária àquilo que considerava o certo, era aplaudida; nas situações em que agia de maneira inadequada, todos achavam correto.
Ana Júlia jamais era vista com olhos críticos, não sabia desapontar.

Ana Júlia era uma chata. E pior! Ela mesma concordava com isto.

No dia 25 de setembro, decidiu mudar o trajeto de casa até o trabalho; dobrou à direita, depois à esquerda, deu a volta no quarteirão 3 vezes. Quando viraria pela quarta vez ela seguiu reto, pegou a saída da cidade.
Naquela manhã, Aninha não apareceu na empresa, não avisou aos colegas e menos ainda à família.
No dia 25 de setembro, Ana Júlia surpreendeu.

E em todos os dias seguintes.

Aninha largou o emprego, cortou os cabelos, comprou uma moto, matriculou-se em aulas de tecido acrobático e equitação. Cláudio, seu honesto marido, também dançou. Aninha não podia mais ser casada com um homem que amava aquela mulher.

Ana Júlia se tornou Gabriela, pelo menos para ela...
Os filhos, manteve. Era uma questão de princípios.


Para a família, Aninha estava desenvolvendo alguma doença; esquizofrenia talvez. "Era estresse", assegurava piamente sua mãe. Cláudio acreditava ser uma crise de meia idade antecipada.

Para Gabriela, era apenas uma nova companhia. Já era hora.

domingo, 9 de junho de 2013

John, o arrasa corações

Já lhe falei sobre o John?
John trabalhava na firma em meados da década de 80 - até hoje não sei muito bem se ele era funcionário do comercial ou da redação.
A verdade é que estava sempre por lá; ele e aquele sorriso.

A presença de John, que em um primeiro momento foi discreta e silenciosa, em poucas semanas se transformou em frisson e, dois ou três meses depois, virou uma verdadeira guerra.

Nossas antepassadas que queimaram seus sutiãs que nos desculpem. Ou, talvez, nos aplaudam, pois nós o queríamos a todo custo, seja pra usufruí-lo, apresentá-lo à família ou apenas ganhar a briga.

John era, sem dúvidas, um sujeito interessante. Era moreno, alto, cara de homem, mas com a malemolência dos seus 30 anos. O cabelo era curto, penteado para trás, o que o deixava com a cara mais sexy ainda. Ele tinha lindos dentes e fazia uso disto constantemente.
Cada dia com uma camisa nova, seu estilo era casual, mas escolhido atentamente. Charmoso, gato, gostoso e, o melhor de tudo, SOLTEIRO!

Você pode não entender, mas o fato é que a característica mais interessante de John era seu estado civil, o resto era presente dos céus!
Solteiro e cercado por 12 mulheres loucas à procura de um amor.
Pobre John, estaria mais seguro em uma jaula de leões.

É importante salientar que nosso muso não era tão inocente assim. Rapidamente percebeu a situação e tomou vantagem!
Era cafézinho com uma, ajuda para a outra, almoços com a terceira. Enquanto isso, o clima de tensão se instalava, amigas já não contavam seus segredos, declaramos guerra.

A hostilidade se tornou frequente e o departamento pessoal mandou tirar todos os tapetes da sala na expectativa de que uma parasse de puxar o da outra. Tudo em vão.

O começo do gran finale foi em um encontro após o trabalho.
Em qualquer outra situação seria um motivo para falar mal do chefe, tomar cerveja e fazer comentários maldosos sobre os vestidos das meninas do RH. Não naquela noite!

Guerreira por guerreira, fomos chegando ao bar. Todas, obviamente, passamos em casa para trocar de roupa (e de lingerie. A esperança é a última que morre!). A cada cadeira ocupada, a do lado era reservada discretamente para John.

As horas passavam no mesmo ritmo acelerado em que a cerveja entrava e saía dos copos. Mas cedo ou tarde John teria que chegar. Ele prometeu que daria uma passadinha...

Horas depois, 12 caras cansadas foram ilumidas por uma luz que invadiu o bar. John chegou.
Meu Deus! Eu já disse que ele era absurdamente gato!?
Naquele momento todas nos recompomos, colocamos o melhor sorriso nos lábios e partimos para a batalha. Era gargalhada pra cá, mão no cabelo pra lá, papo sério, papo tosco. Cada uma tinha sua estratégia.

A medida em que as horas passavam, fomos cansando, nos desesperando. Aos poucos, uma a uma, como se tivéssemos perdido uma prova de resistência física.
Mas nem mesmo a concorrente mais resistente levou o prêmio final. Ninguém levou John para casa.

Nem para lugar nenhum. No início da manhã seguinte, já prontas para a próxima batalha, soubemos da novidade.
John acabara de ser transferido para a sucursal da empresa em outro estado. Era o mesmo que ouvir uma sentença de morte. John morreu e levou consigo 12 expectativas.

Ainda em luto, durante o almoço, a Candinha, uma das candidatas, ergueu a bandeira branca e dividiu conosco uma informação obtida extra oficialmente: John já tinha um substituto. Murilo era o nome dele. E adivinha? SOLTEIRO.
Armas ao punho.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

V.A - Velhos Anônimos

- Bom dia, meu nome é Gabriela e hoje eu acordei mais velha.  

- Bom dia Gabriela |coro|  

- Parecia uma quarta-feira comum; o despertador tocou e eu o ignorei uma, duas, três vezes. Criei coragem e levantei naquela manhã fria.
Cumpri meu ritual de sempre. Calcei os chinelos, que ficam na lateral da cama, vesti meu chambre, respirei fundo e levantei.

A tábua próxima à porta rangeu como faz todos os dias.
Segui em direção ao banheiro,  cruzei o corredor e perdi alguns segundos olhando para a estante de livros, do outro lado da sala.
Entrei no banheiro ainda com a luz apagada; levantei a camisola, baixei a calcinha e fiz xixi. Eu ainda não fazia ideia da surpresa que me esperava.  

|Silêncio profundo no ambiente|  

Levantei despretensiosamente,  puxei a descarga e só então acendi a luz.
O susto veio quando parei em frente ao espelho. O reflexo mostrou uma velha!   
Foi assustador e o maior pavor era a semelhança entre ela e eu.

Nós nos parecíamos, mas sua pele era flácida e puxava para baixo como se houvesse uma fita adesiva prendendo; as pálpebras caiam sobre os olhos, que tinham uma cor diferente.  Na verdade, um brilho diferente,  estavam opacos.

Os cabelos eram ralos e desbotados; a pele mesclava entre o tom original e pequenas manchas espalhadas como que por espirro. Sem falar nas rugas sobre os lábios, ao redor dos olhos, na testa, pescoço.

Aquele reflexo não podia ser o meu. Onde estive enquanto isso ocorria?
É como se eu tivesse dormido jovem e acordado velha!  
Preciso entender o que aconteceu neste período. O que fiz com minha vida?
E todos ou meus projetos, será que os realizei?
E meus amigos, será que me reconheceriam? Estão velhos também?  
Onde foram parar estes 30, 40 anos?

Minha vida passou e não vi. E o pior: segue passando...

|lágrimas|  
|palmas|  
|cadeiras rangendo|  

- Hoje temos uma nova pessoa no nosso grupo.  

- Bom dia, meu nome é Gustavo e ontem completei 27 anos...

terça-feira, 4 de junho de 2013

A musa do embarque

Voo atrasado é tédio na certa!
Infelizmente, os voos vivem atrasados no Brasil (não sei se em outros lugares o drama se repete. Talvez na Uganda seja parecido). E não tem revista, livro, Facebook ou post pro blog que salve aquelas horas em que você está preso em um ambiente fechado com um monte de gente surtada.

Enquanto me divido entre internet e ideias de pauta para este blog, observo de longe uma mulher linda. Ela é alta na medida certa, magra na medida certa e mexe os cabelos como se quisesse bagunça-los...

Preciso nomear meu objeto de observação! Angelina - óbvia homenagem.
Angelina usa óculos de sol grandes, mas apropriados ao seu rosto; os cabelos meio mechados, meio enraizados dividem-se entre a bagunça do crespo e a perfeição do liso.

Vestindo uma jaqueta de couro vermelha, calça de montaria e um salto incrível, a atenção se perde quando tento entender o que é colar e o que é cachecol.
Já mencionei o maxilar de Angelina? É quase masculino, quadrado, sexy, muito sexy. E as panturrilhas! Ah como são delineadas, fortes e suaves.

Chamada para embarque, enfim.

Angelina, com aquela pinta, ou vai para São Paulo ou para o Sul.
Eu aguardo ao lado do guichê esperando minha hora de embarcar.
Angelina caminha em minha direção. Meus olhos, e todos os demais, caminham junto com ela. 

- Onde é o embarque para Curitiba? Pergunta ela ao funcionário.
Enquanto conversa eu a olho de perto, ansiosa para preencher as lacunas que a longa distância deixaram abertas.
Angelina, agora de perto e sem óculos, fala com sotaque estranho, feio até, sua voz tem um tom entre o grave e o agudo, desquilibrada, difícil definir; e mais feia ainda é a pele dela, onde nem mesmo a maquiagem opera milagres. Sem falar no estranho formato dos seus olhos e nos dentes acavalados e grosseiramente amarelos.

Suas panturrilhas eram, de fato, detalhadamente moldadas, em contrapartida,  os dedos dos seus pés pareciam tentáculos pulando para fora do sapato. As mãos, infelizmente, não deixavam por menos e pareciam masculinas como o maxilar, que agora se apresenta demasiado proeminente.

Das duas uma: ou Angelina é uma mulher feia pra caramba, ou...!
Mas charmosa e bem vestida!
Cada uma joga com as armas que tem...

Chegou a vez do meu embarque, graças!
Tchau.

No silêncio da minha companhia

Em 2010 fui a uma exposição de arte e me deparei com uma frase que desde então, de tempos em tempos, ressurge na minha memória.

La solitude c'est une condition necessaire pour la liberté.

A solidão é um tema controverso nas rodas atuais. Ser solitário, em geral, é considerado negativo. "Coitadinho, é tão solitário. É um velho solitário. " Mas a frase da exposição oferece uma nova perspectiva sobre o tema.
Para sermos livres precisamos estar ou ser solitários em algum momento.

Solidão significa estar acompanhado por uma das companhias mais difíceis do mundo! Estar só implica ouvir todas as vozes que falam e calam. É no silêncio da ausência de outrem que entramos em contato com sentimentos profundos; é, especialmente, nestes momentos que nos conhecemos e nem sempre gostamos do que vemos.

Este enfrentamento é o que nos leva à liberdade. Ao não gostar do que estamos vendo, temos a oportunidade de mudar ou de aceitar e, assim, alcançar a liberdade.
Eu acredito na solidão, no silêncio e, apesar de temê-los profundamente, sei que todos estes confrontos me colocam mais perto de mim mesma.

É como o fim de um relacionamento, quando percebemos que os programas favoritos, as músicas da playlist, os filmes, roupas e - até - as opiniões deixaram de nos representar e se tornaram um misto de "nós". Mesmo doloroso, o momento é, de fato, uma grande oportunidade para nos conhecermos e nos tornarmos quem queremos ser!

Conhece-te a ti mesmo... E serás livre. Para isso, sejamos solitários. Pelo menos de vez em quando.

Copo de água e senha do wifi não se nega a ninguém

- Oi, tudo bem? A gente não se conhece... Bem, na verdade nos encontramos no corredor uma ou duas vezes, mas não fiz muita questão de te comprimentar, por isso fingi ser autista e surda...
Espera! Deixa eu recomeçar. Meu nome é Isabela, moro no apartamento ao lado há uns 10 meses; desculpa te incomodar.

- Oi, não tem problema. Diga!

- Então, vizinha... Nossa, há alguns meses em São Paulo e já começo as frases com "então". (risos do lado de fora da porta/cara de tédio do lado de dentro).
Bom, vizinha, na verdade, estou batendo aqui e não é para pedir uma xícara de açúcar! Preciso da sua senha da internet! Sabe, aconteceu uma tragédia e preciso muito acessar meu Facebook, Instagram, Twitter.

- Como?

- É realmente importante, caso de vida ou morte e sabe como é, né? Copo de água e senha do wifi não se nega a ninguém! (risos)

- Qual é mesmo meu nome?

- Hã... Hummm... Bruna?

|Barulho de porta batendo|

- Putz! Metade da população feminina se chama Bruna! Que azar...

|Din don|

- Oi, tudo bem? Sou sua vizinha do apartamento 34...

Compram-se vidas, paga-se bem

Se um estranho com pinta de business man lhe parasse na rua e perguntasse "quanto vale a sua vida?", que resposta você daria?
Calma! Não é uma pergunta de filme de vampiro querendo a sua alma ou algo do gênero. É bem mais simples; na prática é um questionamento ao qual respondemos infinitas vezes ao longo da vida.
Quando contratamos um seguro de vida, estamos precificando nossa existência - ou inexistência, já que é o valor pago pela nossa morte. Outra situação na qual cobramos um valor pelo nosso tempo de vida é a tal da pretensão salarial.

A minha vida, por exemplo, vale entre 4 e 5 mil reais por mês. Na verdade este valor é referente a 22 dias da minha vida, considerando que tenho 8 folgas por mês. Vamos à calculadora!  24 horas por dia x 22 dias por mês x 12 meses por ano = 6.336.
Se você tem um emprego normal, trabalha 8 horas por dia, 40 por semana e 120 horas por mês. Atualmente o salário mínimo brasileiro é de R$ 678, 00.

Isso quer dizer então que eu ganho mais, contudo dou em troca mais tempo da minha vida e tempo livre (lazer) custa caro! Mas quer saber? Tô achando que cobro pouco! Pensa comigo: em 1 ano de trabalho terei no banco 54 mil reais (conta imaginária, né? Porque aqui se ganha, aqui se gasta) e 96 dias vividos em prol dos meus interesses, fazendo atividades que eu quero e acompanhada por pessoas que eu escolhi.

Dinheiro é bom e eu adoro! Porém, se ter mais dinheiro é diretamente oposto a ter mais tempo para desfrutá-lo, faz sentido este cálculo?
Obviamente não estou lançando nenhuma linha de pensamento novo. Mas (pasmem!), acho que só agora comecei a entender.
Recentemente, li uma reportagem sobre "viver com menos" e fiquei pensando será mais uma modinha dos ricos? Porque, falemos sério, a massa mesmo segue querendo tevezona de tela plana, Net e celular touch. Eu quero ter tudo isso - inclusive a casa própria! -, mas desejo muito mais. Quero ficar velhinha e ter muitas histórias de amor para contar; quero poder lembrar de pessoas e lugares, de relações que construí.
Dinheiro é inegavelmente muito bem, contudo, o que de fato deixamos para nossos amigos e amores é a lembrança da nossa existência!

Este post é uma carta de amor a todos que, de forma mais ou menos extrema, abdicaram do ter em favor do ser. E enquanto não largo tudo e vou viver de música na praia sigo estando menos presente do que gostaria e trabalhando 528 horas ao mês...

domingo, 2 de junho de 2013

Relacionamento a três

A verdade é que matemática nunca foi meu forte; não por acaso enveredei minha vida profissional para as ciências humanas. Mas, aprendi o suficiente para passar de ano e, depois, ser aprovada no vestibular.
Porém, tem uma equação da vida que não consigo entender. Me ajudem!

Mulher solteira que quer um relacionamento sério + homem casado (com outra) = ?

Pra mim a resposta óbvia é:
Mulher solteira que quer um relacionamento sério + homem casado (com outra) = a isso não vai dar certo!

Enquanto ouço muitas amigas que passam pelo mesmo "problema" formulo teorias. Penso no tradicional freudiano que fala algo sobre "autossabotagem" (talvez um psicólogo tenha cólicas de revolta lendo isso), considero, ainda, que seja só papo furado essa história de que estou em busca de uma relação, tem ainda a tão conhecida rivalidade feminina, tipo vamos ver quem ganha... (mesmo que o cara seja um traste, o que é bem provável considerando sua, na maioria das vezes repetida, situação).
Há ainda um problema bem real que é a diminuta presença de homens solteiros a partir dos 25 anos.

Eu, com toda minha dificuldade em matemática, não entendo essa equação. E mais! Não entendo porque uma pessoa que quer o "A", age em direção ao "B".
Seja qual for a resposta, as possibilidades acima valem uma discussão.
E já que o assunto é delicado para ser tratado pessoalmente com as amigas, fica a pergunta: Porque?

Obs.: Se alguém se identificou com esse post, please, não leve a mal e lembre de deixar o comentário anonimamente! Assim preservamos identidades! :)

Café para um

- Posso sentar com você?
Naquele breve instante, enquanto a menina sorri pateticamente esperando minha confirmação, retribuo com um sorriso também. Um sorriso sarcástico, de quem se deleita com a própria imaginação.
- Não. Nããããão. N - ã - o.
Sinto a língua tocar os dentes da frente; o fonema está em formação. A resposta vem em tom de regozijo.

Levanto o rosto e aquelas bochecas rosas e gordinhas esperam tão ansiosas pela resposta quanto aguardam a tapioca de coco com leite condensado que a senhora tapioqueira já prepara para sua hóspede favorita.

Diante da cena, abro um sorriso ainda maior, aceno positivamente com a cabeça e digo: "claro!".
- Claro? Wtf?! Penso eu, agora não mais sorrindo, enquanto ela se sacode toda faceira até a mesa de guloseimas.

A verdade é que em nenhuma situação social é aceitável negar este pedido. Mesmo em casos extremos a negativa é delicada.
Um casal discute o futuro da relação na mesa do restaurante e um velho amigo surge contente para colocar a conversa dos últimos 10 anos em dia. Provavelmente, nem mesmo este casal diria N ã o.

Eu sonho com um dia de "operação padrão". Sabe aquele Dia sem Imposto? Pois bem, eu acredito que devemos implementar o Dia da Verdade, ou Dia sem Hipocrisia...
Um dia (um único dia em todo o ano) em que só diremos a verdade e só agiremos de acordo com nossas vontades e interesses.

Seria pedir demais? De fato partiria alguns corações. A menina do café da manhã teria, talvez, uma indigestão ou até cancelaria o café para não ter que estar frente a frente com um ser desalmado como eu.
E eu? Bom, é possível que eu seja mais feliz e tenha mais "amigos" se mantiver a negativa em meus pensamentos. De repente, a operação padrão é demasiado honesta para nossos corações...